III. ATOS DE PEDRO: RECEPÇÃO DOS GENTIOS At 9.32-12.24
a) Pedro na Palestina Ocidental (At 9.32-43)
Um sinal da paz de que a Igreja gozava se vê em Pedro evangelizar o território semigentílico, na Planície de Sarom, e visitar Lida e Jope, onde realizou milagres de cura. O fato de hospedar-se, quando nesta última cidade, na casa de um homem que exercia uma profissão imunda, mostra como ele ia-se emancipando mais em suas relações para com a lei cerimonial.
Os santos que habitavam em Lida (32). É claro que havia cristãos em Lida e Jope antes de Pedro visitar estas cidades (cfr. vers. 36). Arruma o teu leito (34). O grego podia significar alternadamente "apronta-te para comer"; isto estaria de acordo com o interesse que Lucas e outros escritores neotestamentários mostram alhures pela nutrição dos convalescentes. Sarona (35); a planície costeira de Sarom. Tabita (36); em aramaico é "gazela"; em grego é Dorcas. Depois de a lavarem (37); refere-se à praxe judaica da "purificação dos mortos". Mostrando-lhe túnicas e vestidos (39). A "voz média" do verbo grego indica que elas estavam usando essas vestes naquele momento. Ficou... em casa de um curtidor, chamado Simão (43). Simão morava na praia (#At 10.6), talvez porque sua profissão exigisse o emprego de água do mar, e Pedro, sendo pescador, preferisse hospedar-se nessa parte da cidade.
At-10.1
b) Pedro e Cornélio (At 10.1-48)
Grande passo avante precisava ainda ser dado, e foi em Jope que Pedro aprendeu a lição de que não se deve chamar comum ou imundo aquilo que Deus limpou. Teria sido à luz desta lição que ele acrescentou, ao ensino de nosso Senhor sobre comidas, o comentário, "E assim considerou ele puros todos os alimentos", como se vê em #Mc 7.19? Seja como for, havendo aprendido esta lição, teve imediatamente de pô-la em prática ao ser convidado para visitar Cornélio, centurião romano, em Cesaréia, e fazê-lo conhecer, com a família, as boas novas. Este é outro episódio a que Lucas obviamente dá muita importância, porque, depois de narrá-lo no cap. 10, volta a referi-lo no cap. 11, onde Pedro mesmo conta a história, e torna a mencioná-lo no cap. 15, outra vez por intermédio de Pedro.
Cornélio, como Pedro, fora preparado por Deus para a nova situação. Membro da classe de pessoas que Lucas denomina "tementes a Deus", adeptas do culto judaico, espiritual e monoteístico, celebrado nas sinagogas, sem que fossem de todo prosélitos e membros da comunidade de Israel, foi instruído, por uma visão, a mandar chamar a Pedro. Quando este entrou na casa e começou a anunciar a ação divina na cruz e na ressurreição de Cristo, mais uma prova da direção de Deus lhe foi dada com o ato repentino do Espírito Santo apossando-se daquela família gentia, o que foi manifesto pelos mesmos sinais externos do dia de Pentecostes. Houve uma diferença: no Pentecostes os que foram batizados receberam o Espírito; Cornélio e seus familiares se batizaram porque antes receberam o Espírito. Sem este sinal evidente do favor divino, Pedro podia hesitar em batizá-los.
Centurião da coorte, chamada a italiana (1). Os centuriões tinham a posição de oficiais não comissionados, cabendo-lhes a responsabilidade de capitães. Eram a espinha dorsal do exército romano, é impressionante como de todos os centuriões mencionados no Novo Testamento sempre se diz alguma coisa que os recomenda. A coorte italiana pode ser idêntica à "segunda coorte italiana de cidadãos romanos", de que há inscrições comprobatórias na Síria, do ano 69 A. D. Temente a Deus (2), pertencente à classe de gentios que aderiam de modo geral à fé, ao culto e às práticas judaicas, sem se submeterem à circuncisão e sem se tornarem prosélitos de todo. Subiram para memória (4). O verbo "subir" pode sugerir as ofertas queimadas (heb. ´olah, lot. "subindo"). O vocábulo grego mnemosynon, traduzido "memória", usa-se em #Lv 2.2 e segs. nos LXX, com relação à parte da oferta de manjar que se apresentava a Deus. Quanto à eficácia sacrifical dessa conduta de Cornélio, cfr. #Sl 141.2; #Fp 4.18; #Hb 13.15-16.
At-10.9
Por volta da hora sexta (9); isto é, meio-dia. Êxtase (10), estado em que a pessoa, por assim dizer, "fica fora" de si. Um certo vaso (11); lit. "um objeto"; a palavra grega (skeuos) é indefinida. Um grande lençol (11); sugerido ao subconsciente de Pedro possivelmente pela tolda aberta no eirado, ou a vela de um barco no horizonte, do lado ocidental. Quatro pontas (11). O vocábulo grego arche, aqui traduzido "ponta" (lit. "começo") usava-se na linguagem médica por extremidade de atadura, e entre os marinheiros no sentido de "corda". Toda sorte de quadrúpedes (12). Os melhores textos omitem feras aqui e transpõem da terra para depois de répteis (veja-se a ARA). Daí resulta a divisão tríplice do mundo animal, cfr. #Gn 6.20. (O Texto Recebido é aqui influenciado por #At 11.6). De modo nenhum, Senhor (14); cfr. o protesto de Ezequiel (#Ez 4.14). As leis dietéticas judaicas baseavam-se em #Lv 11. Tais leis, em seu aspecto cerimonial, eram agora abrogadas explicitamente, como o haviam sido implicitamente no ensino de Jesus, #Mc 7.14 e segs.
At-10.19
Disse-lhe o Espírito (19). O Espírito de íntima admonição profética. Eu os enviei (20). Isto levanta a questão sobre a relação entre o Espírito, falando agora no íntimo de Pedro, e a manifestação aparentemente externa do anjo a Cornélio. Que lhe foram enviados por Cornélio (21). Os melhores textos omitem estas palavras (ver a ARA). Foi instruído por Deus (22); lit. "recebeu uma comunicação oracular" (gr. chrematizo). Alguns irmãos de Jope (23). Foram em número de seis (#At 11.12). Indo Pedro a entrar... (25). O texto "ocidental" amplia este verso assim: "E aproximando-se Pedro de Cesaréia, um dos servos correu na frente a anunciar que ele chegara. Então lhe saiu Cornélio ao encontro...". Adorou-o (25), ou "prestou-lhe homenagem" (gr. proskyneo). Não implica necessariamente honras divinas. Faz hoje quatro dias (30). No primeiro dia Cornélio teve a visão; no segundo, Pedro teve a sua e os mensageiros de Cornélio saíram a buscá-lo; no terceiro, Pedro e os outros deixaram Jope; no quarto, chegaram a Cesaréia. Fizeste bem em vir (33), expressão de agradecimento, isto é "Obrigado por teres vindo".
At-10.34
Deus não faz acepção de pessoas (34). Cfr. #Dt 10.17; #Rm 2.11; #Ef 6.9; #Cl 3.25. O sentido é: "Deus não tem favoritos". A eleição divina não implica parcialidade; a graça de Deus alcança livremente tanto a gentios como a judeus. Para nós hoje, isto é um lugar-comum, mas para Pedro era uma idéia revolucionária. A palavra que Deus enviou aos filhos de Israel... (36). Daqui até ao fim do vers. 43 temos o sumário completo da mensagem apostólica em Atos. Abrange o período que vai do ministério de João Batista à ressurreição, e tem em perspectiva o juízo futuro. O presente sumário traz as marcas de uma tradução bem literal do aramaico. Por toda a Judéia (37); aqui no sentido mais lato de Palestina (cfr. #Lc 4.44). Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo (38). "Ungiu" traz a idéia mais formal de "fê-lO Messias"; a ocasião que ele tem em mente é o batismo de nosso Senhor, Cfr. #Is 61.1, citado em #Lc 4.18. Na terra dos judeus (39); isto é, toda a Palestina, como Judéia no vers. 37. Nós que comemos e bebemos com ele (41). Isto dá ênfase à realidade de Sua ressurreição corporal. Cfr. #Lc 24.41-43 (e em #At 1.4, "ajuntando-os" talvez deva traduzir-se "comendo com eles", ver a ARA; gr. synalizomenos). Foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos (42). Isto lembra a visão do "Filho do homem" em #Dn 7.9 e segs. Remissão de pecados (43). A principal profecia do Velho Testamento que promete a remissão de pecados mediante Cristo é #Is 53.
At-10.44
Caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra (44). Como Pedro sugere no vers. 47 (cfr. #At 11.15), este episódio foi uma reprodução da descida do Espírito no primeiro grupo de discípulos em #At 2. O presente caso tem sido chamado com propriedade "o Pentecostes do mundo gentílico". Para que este fato, sem precedente, ocorresse foi necessário que outro, não rotineiro, acontecesse: a aceitação do evangelho por parte de gentios; urgia que Deus agisse imediatamente. Engrandecendo a Deus (46); cfr. #At 2.11, "falar... as grandezas de Deus". Ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo (48). Veja-se #At 2.38. Em parte alguma se dá a entender que algo foi dito a estes gentios sobre a necessidade ou mesmo conveniência da circuncisão.
At-11.1
c) Os outros apóstolos aprovam o ato de Pedro (At 11.1-18)
A notícia chegou célere a Jerusalém. Retornando Pedro, viu-se obrigado a defender-se das críticas dos seus companheiros de apostolado. A atividade de Estêvão parecera bastante nociva aos olhos de homens que, embora seguidores de Jesus, ainda eram judeus ortodoxos. Todavia, para eles não fora menos prejudicial a atitude do líder dos apóstolos, que violara um costume sagrado. Aparentemente os apóstolos ainda gozavam de alguma estima do povo, porém provavelmente iam perder esse bom conceito se se espalhasse a notícia de que o líder dentre eles havia confraternizado com incircuncisos. É provável fosse mais do que coincidência que Herodes Agripa I, não muito tempo depois, querendo ganhar popularidade, lançou mão violentamente de dois dos apóstolos, e também aparecesse logo Tiago, o irmão do Senhor, como líder da igreja de Jerusalém.
No entanto, quando Pedro contou a experiência que tivera da direção do Senhor, e do derramamento do Espírito Santo na casa de Cornélio, perguntando, "Quem era eu para que pudesse resistir a Deus?", os apóstolos se convenceram de que ele agira corretamente e louvaram a Deus por Sua graça concedida aos gentios.
At-11.2
Os que eram da circuncisão (2). Provavelmente se alude aqui ao partido mais "rigorista" da igreja de Jerusalém, embora que a mesma frase, em #At 10.45, signifique apenas cristãos judeus. Palavras mediante as quais serás salvo, tu e toda a tua casa (14). São termos que complementam a versão do vers. #At 10.22. A "casa" incluía não somente a família, no sentido moderno da palavra, como todos nela estavam sob a autoridade do chefe do lar-escravos, atendentes e outros que tais. Cfr. #At 16.15-31 e segs. #At 18.8. João, na verdade, batizou com água (16). Palavras do Senhor em #At 1.5. Também aos gentios (18); melhor, "até aos gentios" (aos olhos dos judeus era o sinal mais assombroso da graça divina).
Fonte: O Novo Comentário da Bíblia (Editado pelo Prof. F. Davidson, MA, DD)
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