quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A VINDA DO ESPÍRITO NO DIA DE PENTECOSTES - Atos 2.1-13


Extraído do Livro: ATOS DOS APÓSTOLOS - COMENTÁRIO ESPERANÇA, Werner de Boor
Editora Evangélica Esperança

1 Os apóstolos, juntamente com um grande grupo de discípulos de Jesus, entre os quais havia também mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos de sangue (At 1.14), esperavam em oração pelo cumprimento das grandes promessas de Deus e, simultaneamente, pelo começo de seu serviço de testemunhas. Agora chegava esse cumprimento. Por essa razão Lucas inicia sua narrativa: “E ao começar a cumprir-se…” Esse cumprimento acontece por livre majestade unicamente do próprio Deus, no dia determinado por Ele. Os discípulos não ficam cada vez mais cheios do Espírito aos poucos, em silêncio. Muito menos tentam chegar à posse do Espírito através de quaisquer métodos religiosos. Sabem fazer uma coisa somente: esperar com fé pela ação do próprio Deus.
Essa ação acontece num dia festivo judeu, “ao começar a cumprir-se o dia de Pentecostes”. Podemos traduzir
assim: “No início do dia de Pentecostes, todos estavam reunidos.” O grande evento ocorre logo na manhã da festa. Quando Pedro começa seu discurso são apenas 9 horas da manhã. A ordem do “ano eclesiástico” na antiga aliança previa três grandes festas: o passá, a festa da sega e a festa “quando recolheres do campo o fruto do teu trabalho” no final do ano (cf. Gn 23.14-17). Em Lv 23.15-22 a festa da sega passa a ser regulamentada com mais detalhes. Deve ser celebrada no 50º dia depois do passá. Em grego, o “qüinquagésimo” (dia) chama-se “pentekosté”; dele derivou-se mais tarde nosso termo “Pentecostes”. Em época posterior, Israel também não queria mais celebrar Pentecostes e a festa dos tabernáculos apenas como festas da natureza e da colheita. Sem dúvida continuava a receber com gratidão da mão de Deus também as dádivas naturais dos campos, pomares e vinhedos. Porém sabia que Deus havia ido a seu encontro em sua história de outras formas gloriosas e divinas. Por conseqüência, considerou os “tabernáculos” uma recordação da peregrinação pelo deserto, com suas tendas e com o maravilhoso auxílio e provisão até entrarem na terra prometida, e relacionou a festa de Pentecostes com a legislação no monte Sinai. É verdade que a comprovação dessa ligação existe somente na literatura pós-apostólica. Porém, não é possível que a memória do evento do Sinai no dia de Pentecostes já tenha estado viva antes entre o povo ? Seja como for, chama a atenção a profunda correlação que o acontecimento narrado por Lucas nesse dia de Pentecostes possui com a revelação de Deus no Sinai. Lá e cá ocorre a presença do Deus vivo para criar sua “igreja”, um povo santo, um reino de sacerdotes. Lá e cá acontecem tempestade e fogo como sinais visíveis da presença do Senhor. De acordo com a tradição judaica, os 70 povos do mundo teriam captado a proclamação divina no Sinai em sua respectiva língua, assim como agora pessoas de todo o mundo ouvem a exaltação dos grandes feitos de Deus em sua língua pátria. No entanto: agora acontece a nova aliança, profetizada por Jeremias (Jr 31.31-34) – não mais o serviço
de Moisés, da “letra”, da condenação e da morte, mas o serviço do Espírito, da justiça e da vida (cf. 2Co 3.4-9). Somente agora se forma de fato o “sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Como no “passá”, também no “Pentecostes” vemos lado a lado o Deus que não age arbitrariamente, mas numa seqüência planejada, ligada à sua ação anterior, que é acolhida e levada à perfeição, e o Deus que também não se deixa encerrar na bitola de revelações antigas, que cria coisas inéditas, por meio das quais mostra a glória plena daquilo que Ele já tinha em mente nas manifestações anteriores. Assim o “passar poupando” (é que significa o termo “passá”) de Deus diante do “sangue do Cordeiro” (Êx 12.13), de magnitude universal e validade eterna, se “cumpre” na morte e no sangue do Filho de Deus na cruz; e assim se “cumpre” agora em “Pentecostes”, ao ser derramado o Espírito de Deus em escala universal e realidade máxima, aquilo que Deus de fato havia previsto no Sinai quando vocacionou a Israel.
2 O que sucede em seguida não é apenas “acontecimento interior”. Afinal, não se trata de “espírito” no sentido da “intelectualidade” humana. Temos de nos libertar do idealismo grego que nos alienou. Trata-se do poder e da vida do Deus vivo. A esse Deus e Criador, porém, o mundo “exterior” pertence da mesma forma como o “interior”. Quando ele se aproxima, sua presença viva também se torna sempre audível e visível. Precisamente nisso, pois, também a história de Pentecostes revela que não se trata de processos dentro da psique que poderíamos explicar de uma ou outra maneira, mas sim da intervenção de Deus. “De repente, veio do céu um som, como de um vento poderoso que descia.” No grego, “pnoé” = vento, “pneuma” = Espírito são (como também no termo hebraico “ruach”) derivados da mesma raiz. P. ex., ao dialogar com Nicodemos, Jesus também tomou o misterioso sopro do vento como ilustração do sopro do Espírito. Obviamente é apenas uma “figura”. Notemos que Lucas diz expressamente: Soava “como” de um vento poderoso. O zumbido veio “do céu”, naturalmente não da atmosfera terrena, mas oriundo de Deus. Contudo penetra totalmente no mundo terreno e enche uma casa. Deus não está limitado a templos e lugares consagrados! Para a sua presença, ele seleciona um mísero arbusto espinhento no deserto, e agora uma casa secular, comum, em Jerusalém.
3 Na seqüência o Espírito também se torna “visível”. “E apareceram-lhes línguas separando-se, como de fogo.” João Batista já havia falado do batismo “com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3.11). Desde sempre o “fogo” foi, como a “luz” e a “tempestade”, um sinal da essência e da atuação divinas. Tanto aqui como na descrição da ascensão, Lucas, sóbrio e contido diante da singularidade dos acontecimentos divinos, sabe muito bem que pode aduzir somente comparações precárias. Podem ser vistas línguas “como” de fogo. Por essa razão seu relato também não representa uma contradição com a visão de João, que vê o Espírito descer “como uma pomba”. Quem jamais experimentou pessoalmente o Espírito Santo não sabe que Ele é “fogo”, aquecedor, purificador, consumidor, que incendeia o coração, que Ele é “tempestade” que impele com força irresistível, e que Ele apesar disso sempre aquele Espírito silencioso que se distingue completamente de toda agitação humana e de todo alvoroço demoníaco.
As línguas são descritas como “separando-se”. Talvez deveríamos traduzir diretamente: “distribuindo-se”. Não está sendo referida a imagem de labaredas repartidas, mas o compartilhamento pessoal do fogo do Espírito a cada indivíduo do grande grupo. Por isso Lucas continua no singular, apesar da recém-mencionada pluralidade de línguas: “… e ele pousou sobre cada um deles.” Nessa formulação aparentemente desajeitada expressa-se certeiramente que é o mesmo Espírito Santo indivisível que, não obstante, agora é concedido pessoalmente a cada um.
4 “E todos ficaram cheios do Espírito Santo.” O Espírito é como um mar de fogo que desce do alto, que com suas “línguas” alcança todos os reunidos. Recebem o Espírito não apenas os apóstolos, os “ministros”. Também os demais discípulos são presenteados com ele, inclusive as mulheres. Sim, desde o início vigora na igreja de Jesus que “não há… nem homem nem mulher” (Gl 3.28). É por essa razão que em seu discurso Pedro olha para a palavra de Joel, que cita expressamente as “servas” e “filhas”, ao lado dos “filhos” e “servos”, como destinatárias do Espírito e de seus efeitos.
O que, porém, o Espírito efetua? Somente cumprimento interior e alegria nos próprios agraciados? Isso seria uma contradição à linha básica de toda a revelação da Escritura. Jamais os poderosos feitos de Deus estão presentes apenas para nossa felicidade pessoal! Eles sempre preparam pessoas para Deus, para a honra de Deus e para a cooperação na história salvadora de Deus entre os seres humanos. Assim, pois, experimentam-no também os discípulos. “E passaram a falar em outras
línguas, segundo o Espírito lhes concedia que proferissem.” O Espírito Santo concede “proferir”. O termo grego usado refere-se a um falar inflamado ou entusiasmado. Os discípulos não estão “pregando”! Lucas expôs com muita clareza que a “pregação” propriamente dita, com suas exposições tranqüilas (ainda que poderosas para compungir o coração!), haveria de ser somente tarefa de Pedro. Como, afinal, 120 pessoas seriam capazes de “fazer pregações” ao mesmo tempo? Quem poderia prestar atenção neles? Igualmente é digno de nota que pessoas contrariadas entre a multidão podiam ter a impressão acerca dos discípulos de que: “Estão cheios de vinho novo.” Isso deixa claro que não podia tratar-se de “pregações em diversos idiomas ou dialetos”. Pois nesse caso, como cada ouvinte teria conseguido chegar perto justamente daquele discípulo que falava sua língua materna? E a pregação em diversos idiomas tampouco gera a impressão da “embriaguez”. Não, esse “falar com outras línguas” deve ter sido o primeiro “falar em línguas” do cristianismo. Diante desse fenômeno, o observador de fora podia dar de ombros e dizer: “doidos!” (1Co 14.23) ou, como aqui, “bêbados!”. Afinal, também possui redobrada importância que mais tarde Pedro faz um paralelo expresso entre o “falar em línguas” dos gentios presenteados com o Espírito e o evento de Pentecostes: At 11.15, 15.8 relacionado com At 10.44-46. O “falar em línguas”, porém, não era “pregação,” mas adoração, louvor, exaltação, gratidão (At 10.46; 1Co 14.14-17). Em consonância, os discípulos estão enaltecendo aqui, ao orar em línguas, os grandes feitos de Deus. Isso podia ser feito simultaneamente, no grande grupo. Com razão, a partir de amargas experiências, alimentamos desconfiança contra todos os fenômenos “entusiastas”. Contudo, isso não deve nos impedir de ver que em Atos dos Apóstolos o “falar em línguas” é considerado como sinal especial da eficácia do Espírito e que também o próprio Paulo falava muito em línguas (1Co 14.18). Sem nenhuma dúvida, Lucas se posiciona da mesma forma como Paulo em 1Co 14.5 na valoração do Espírito. Não é a jubilosa oração em línguas do grupo de discípulos que cria o movimento de arrependimento que leva à constituição da primeira igreja, mas o anúncio de Pedro (o “profetizar”). Apesar disso, o que aconteceu nessa manhã de Pentecostes continua sendo algo grandioso. Na verdade, os discípulos já sabiam antes de Deus e criam nele. Igualmente eram capazes de orar com uma seriedade e persistência que nos envergonha até mesmo antes do Pentecostes. Agora, porém, a realidade e glória de Deus estão diante deles no Espírito Santo, de maneira tão extraordinária que eles esquecem completamente de si mesmos e de tudo em torno de si, podendo tão somente adorar e exaltar a Deus. O que vêem diante de si, pelo Espírito, acerca da sabedoria, da santidade, do amor e da misericórdia de Deus excede todo pensar e falar humanos. Todas as palavras do linguajar comum fracassam diante disso. Somente “em outras línguas” ainda se pode adorar a “grandiosidade” (possível tradução para “grandes feitos” de Deus) da essência, dos pensamentos e dos feitos de Deus.
5/6 Em tudo os discípulos estão completamente voltados para Deus. “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus” (1Co 14.2a). Ainda assim sua oração se torna um “testemunho” e o começo de seu ministério de acordo com a promessa de seu Senhor (At 1.8). Todo esse evento não pode permanecer ignorado em Jerusalém. Na cidade não há apenas visitantes da festa, presentes temporariamente. Do judaísmo amplamente disperso no mundo41 eram atraídos à terra prometida e à sua capital precisamente os “homens devotos”, para fixar residência onde o Messias haveria de aparecer, no Monte das Oliveiras (Zc 14.4), e marchar até o templo (Ml 3.1). “Quando, pois, se fez ouvir aquela voz” – provavelmente “voz” designa todo o acontecimento audível, o zunido e o falar e louvar em alta voz pelos discípulos – “afluiu a multidão.” Sabemos como isso acontece: primeiro algumas pessoas notam o fenômeno e se aproximam, depois cada vez mais pessoas ficam paradas, e a notícia se espalha com rapidez, atraindo novas turmas.
Nesse momento alia-se ao primeiro acontecimento o verdadeiro milagre de Pentecostes. Sobre falar em línguas publicamente na igreja Paulo afirmou que somente faz sentido e tem razão de ser se houver alguém que o “interprete” ou “traduza” (1Co 14.13,27,28). Esse entendimento e tradução do falar em línguas igualmente representa um dom próprio do Espírito (1Co 12.10). No dia de Pentecostes, porém, o próprio Espírito Santo realiza esse serviço de tradução, sem mediação humana. E o faz tão intensamente que muitos na multidão não apenas entendem que os discípulos estão exaltando os grandes feitos de Deus, mas também ouvem-nos falar na própria língua materna conhecida. O evento de Pentecostes é, portanto, não apenas a primeira ocasião em que a igreja é presenteada com o “falar em línguas”, mas também um “milagre de audição”. Duas vezes Lucas salienta: “…cada um os ouvia falar na sua própria língua” (v. 6) e “… os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus” (v. 11). Não eram os discípulos que falavam idiomas
distintos, mas o ouvinte é que escutava todos os discípulos (“nós os ouvimos”) na sua língua, compreendendo-os diretamente. Nesse ouvir processa-se o efeito do Espírito Santo, que cria nos ouvintes a “interpretação” do falar em línguas, que mais tarde é conferida como dom espiritual específico a alguns membros da igreja (1Co 12.10; 14.5; 14.27).
Lucas não fez nenhuma tentativa de explicar o fenômeno, e nem sequer de descrevê-lo mais de perto. Isso teria sido impossível, assim como tampouco existe e nem pode haver uma “descrição” da ressurreição de Jesus, de seu corpo ressuscitado ou de sua ascensão. Aquilo que está ocorrendo agora é “sinal”, do mesmo modo como o vento impetuoso e o fogo com suas línguas. Isso é salientado pela circunstância de que não havia uma necessidade para esse milagre. Afinal, a multidão que afluiu não consistia de gentios nativos dos diversos países citados, que somente eram capazes de falar e entender seu próprio idioma, precisando por isso de um milagre para de fato conseguir ouvir os “homens galileus”. Conforme é dito expressamente, todos eram “judeus”. Que outras pessoas estariam morando em Jerusalém ou presentes à festa na cidade? Esses judeus, porém, falavam aramaico, ou pelo menos o entendiam, mesmo que fossem “helenistas” inteiramente acostumados à língua franca grega ou também às línguas locais da terra que haviam colonizado. Ao que tudo indica, Pedro pôde interpelá-los todos em sua pregação (aramaica), sem que outro milagre especial de línguas ou audição se torne perceptível novamente.
Contudo, como sinais, o acontecimento do falar em línguas e o milagre da audição no dia de Pentecostes se revestem de importância abrangente. Muitas vezes afirmou-se que Pentecostes seria a contrapartida da confusão lingüística babilônica após a construção da torre, e uma misericordiosa anulação da mesma. Mas isso não confere tão diretamente. Porque, em primeiro lugar, aquelas pessoas em Jerusalém não são membros dos diversos povos, mas somente judeus; e, em segundo lugar, eles não estão ouvindo um “esperanto divino”, que substitua os respectivos idiomas, mas cada qual ouve seu próprio dialeto. A diversidade das línguas, portanto, não foi anulada! E apesar disso é correto e necessário que o olhar da igreja de Jesus se volte constantemente de At 2 para Gn 11. A gravidade do juízo sobre a construção da torre não consiste primeiramente em que as pessoas passassem a falar diversas línguas, mas “que um não entende a linguagem de outro” (Gn 11.7). No dia de Pentecostes, porém, Deus concede através do Espírito Santo que, em meio à diversidade continuada das línguas, ainda assim se ouça e compreenda o louvor a Deus nos lábios dos discípulos. Mais uma vez se torna claro porque Pentecostes é tão significativo como “milagre de audição” e não como “milagre de línguas”. Porquanto esse “milagre de audição” se prolonga no sentido mais íntimo também no discurso aramaico de Pedro, o qual cada um podia acompanhar sem problemas em termos de língua. Também na “profecia”, i. é, na proclamação concedida e autorizada pelo Espírito de Deus processa-se o milagre da “compreensão”, que nenhuma arte humana consegue engendrar. É uma compreensão que primeiramente abre o coração para a palavra e toca as mais diversas pessoas do mesmo modo, colocando-as na presença de Deus (cf. 1Co 14.24!). Por isso a missão vive constantemente no capítulo do Pentecostes em Atos dos Apóstolos e constata que no milagre de Pentecostes se iniciou e prometeu sua ação mais própria. Porque também a missão não substituiu, por sua iniciativa, os idiomas das etnias por um idioma mundial qualquer, a fim de anular a “confusão de línguas”, mas se empenhou, com amor ardente e com diligência inédita dele resultante, em prol das línguas dos povos, entrando até em seus diversos dialetos. Verdadeiramente, no campo de missão os grandes feitos de Deus devem ser ouvidos por “cada um em sua própria língua”! Ao mesmo tempo, porém, o evangelho cria nesse evento a profunda compreensão e a unanimidade cordial entre pessoas que antes eram completamente estranhas entre si e se odiavam e matavam. Na essência isso corresponde exatamente ao evento de Pentecostes daquela época e à formação da primeira igreja em Jerusalém. Com razão e justiça enaltecemos até os dias de hoje a Deus e ao seu Espírito: “… que pela multiplicidade das línguas reuniste os povos de todo o mundo na unidade da fé.”
Nisso se explicita a importância duradoura do evento de Pentecostes. Ele é um episódio tão único e não-repetível quanto Natal, Sexta-Feira Santa e Páscoa. Somente uma única vez houve manjedoura e fraldas, cruz e coroa de espinhos, sepultura vazia e sudário dobrado. Também o ruído tempestuoso, o fogo e um ouvir nas respectivas línguas não se repetiu jamais. Apesar disso, os grandes feitos divinos de salvação se oferecem à igreja crente como posse duradoura. Ainda na parusia veremos no Filho de Deus a humanidade por ele assumida no Natal. Em cada dia e em todos os lugares possuímos a salvação que foi consumada no Calvário. Sempre e em todos os locais Jesus é nosso Senhor ressuscitado e presente. É assim que o Espírito que desceu no dia de Pentecostes habita na
igreja de todos os tempos. Repetidamente ele gera o verdadeiro “ouvir” e “entender” da proclamação e adoração, unindo pessoas para a irmandade da igreja. “Pentecostes” não precisa nem tolera uma repetição, assim como tampouco “Sexta-Feira Santa” ou “Páscoa”. Não nos cabe esperar por um “novo Pentecostes”, mas sim dar espaço ao Espírito que está presente desde o dia de Pentecostes.
8-11 Que excelente autor é Lucas! Ele não insere no v. 5 uma lista monótona dos muitos países, mas faz com que as pessoas comovidas digam com admiração de que regiões distintas cada uma veio. São citados somente aqueles países em que havia círculos judaicos especialmente numerosos e fortes. Podemos localizar facilmente todas as regiões no mapa, obtendo pessoalmente uma impressão da vastidão e multiplicidade que naquele tempo comoveu as pessoas em Jerusalém. “Ásia” referia-se naquela época ao nome da província romana (e não ao continente), àquilo que agora conhecemos como “Ásia Menor”, e somente o litoral ocidental dessa região. Chama atenção que se menciona a “Judéia” e ainda mais ligada à “Capadócia”. Na Judéia não se falava nenhum dialeto em especial. A rigor, também “cretenses” e “arábios” parecem ser um acréscimo, depois que Roma é citada na conclusão, levando à constatação de que havia na multidão tanto judeus de berço quanto também prosélitos. Talvez a menção da “Judéia” vise ressaltar mais uma vez (como no v. 5): são todos judeus, em parte de nascença, em parte integrados posteriormente, ao passo que “cretenses e árabes”, os moradores das costas e dos desertos, resume todos os citados como povos do Ocidente e Oriente. Nesse caso, a referência especial da “Judéia” confirmaria a tese de que a exaltação dos grandes feitos de Deus “em outras línguas segundo o Espírito lhes concedia que proferissem” era de fato o “falar em línguas” bíblico, que tinha de ser traduzido até mesmo para os judeus da terra judaica, antes de se tornar compreensível para eles em seu idioma.
Mais uma vez é enfatizado: “Nós os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus”. Os discípulos não falam de si, de seus pensamentos, descobertas, circunstâncias do coração e seus sentimentos. Tudo neles foi completamente conquistado pela magnitude e pela glória de Deus e por seus feitos redentores. E justamente isso constitui o sinal confiável da ação do Espírito! Por natureza nós nos preocupamos conosco mesmos. Por isso, quando constatamos que pessoas, por mais belas e bíblicas que sejam suas palavras, giram em torno de si mesmas e de sua própria situação, com certeza há muito pouco do Espírito Santo nelas. Mas quando pessoas são libertas de si mesmas e direcionadas para Deus, de sorte que seu coração e, por conseqüência, seus lábios são movidos por Deus e ficam repletos de Deus, então com certeza o Espírito Santo realizou a sua obra.
Da maior importância é o versículo final do presente trecho. Nele se torna claro mais uma vez porque a oração em línguas dos discípulos, causada pelo Espírito, apesar da “interpretação” através do próprio Espírito nos corações dos ouvintes, ainda não pode ser o momento essencial e decisivo do grande dia. Também nos casos favoráveis levou somente à admiração e à indagação perplexa: “Todos, atônitos e perplexos, interpelavam uns aos outros: Que quer isto dizer?” Em outros essa perplexidade foi acobertada pela zombaria: “Outros, porém, zombando, diziam: Estão cheios de vinho novo!” Nenhum deles havia sido interiormente vencido! A pergunta por enquanto impessoal “Que quer isso dizer?” ainda não chegou à pergunta pessoal, penetrante: “Que faremos, irmãos?” [v. 37]. Mais tarde Paulo formulou claramente nos cap. 12-14 de sua 1ª carta aos Coríntios: não é o “orar em línguas”, mas o “profetizar” que constitui o dom decisivo do Espírito, do qual a igreja tem a mais urgente necessidade. Porque somente a proclamação clara na autoridade do Espírito Santo atinge as consciências, revela a condição do ser humano e conduz à redenção e à conversão das pessoas. É por isso que o verdadeiro efeito da efusão do Espírito no dia de Pentecostes se manifesta somente na “prédica de Pentecostes” de Pedro.

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