– Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra,
– a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles [um] em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste.
22 – Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos:
– Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.
20 Jesus não podia orar em favor do ―mundo como tal. Apesar disso, sua oração não se restringe ao pequeno grupo de seus discípulos, porque ―discípulos são ao mesmo tempo ―apóstolos, enviados para dentro do mundo. E, apesar de toda a rejeição e ódio, esse envio não será em vão. Os discípulos criarão fé por intermédio de sua proclamação! É esse grande acontecimento, que começará em Jerusalém e depois passará pela Judéia e Samaria até os confins da terra (At 1.8), que Jesus vê à sua frente na oração. Por isso ele prossegue: ―Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra. Então será encontrado o que Jesus procurou em Israel durante sua estada na terra, mas achou apenas em poucos: a fé que se entrega em confiança e obediência. Sobre essa fé vale o que Jesus disse em Jo 12.44: ―Quem crê em mim crê, não em mim, mas naquele que me enviou. Essa ―fé em Jesus é verdadeira ―fé em Deus. A ―palavra dos discípulos será tão poderosa que criará esse tipo de fé.
21 As pessoas que vêm à fé por intermédio da palavra dos enviados, porém, não são pessoas isoladas que permanecem solitárias. Imediatamente elas se tornam ―igreja. Isso é tão básico que nem sequer precisa ser mencionado ou estabelecido como alvo dos crentes. Contudo, Jesus conhece nossa dificuldade para permanecermos num relacionamento verdadeiro uns com os outros, e como toda comunhão humana está constantemente ameaçada, inclusive a comunhão dos fiéis na ―igreja. Por isso sua intercessão pelo grande número de futuros discípulos dirige-se justamente à unidade dos seus. ―A fim de que sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. Jesus não considera a unidade organizacional, que pode ser mantida com instrumentos de poder. Mas tampouco se trata apenas de uma unidade de idéias afins ou uma coligação com base em sentimentos convergentes. Não, a unidade que Jesus pede para a igreja tem como paradigma e origem a unidade do Pai e do Filho no Espírito Santo. Essa unidade nos é continuamente demonstrada no agir e falar de Jesus. Ela é caracterizada pela liberdade e integralidade, mediante uma preservação nítida e intencional das diferenças. Jesus pode afirmar: ―Eu e o Pai somos um (Jo 10.30). Ainda assim o Filho continua sendo integralmente aquele que espera, roga e obedece, ao passo que o Pai é totalmente aquele que envia, ordena, atende e concede. Porém justamente nessa distinção vive o amor que une o Pai e o Filho. É assim que Jesus deseja a unidade de sua igreja. Ele vê diante de si a grande multidão dos que crêem, em plena multiformidade. Por isso ele diz que ―todos devem ser um. Esses ―todos podem e devem permanecer o que são, até mesmo nas suas diferentes espécies, maturidades, percepções. Porém é exatamente nessa diversidade que o amor atua, suprindo as carências de uns com os dons e as forças dos demais, gerando assim aquele ―edificar-se uns aos outros, ―consolar-se uns aos outros, ―exortar-se uns aos outros (Cl 3.16; 1Ts 4.18; 5.11) pelos quais ―vive a igreja.
Jesus tem um interesse tão intenso nessa unidade que roga mais uma vez por ela: ―A fim de que também eles sejam um em nós. O texto grego de Nestle não traz aqui a palavra ―um. Porém ela é apresentada pela Koiné, pelo Sinaiticus e outros manuscritos. Ele se torna imprescindível na seqüência da frase sobretudo após o ―também eles. Se o texto tivesse a intenção de afirmar que os discípulos ―estariam no Pai e no Filho por intermédio de sua unidade uns com os outros, a frase teria de ser simplesmente: ―a fim de que estejam em nós. Acontece, porém, que Jesus roga que ―também seus discípulos tenham a mesma unidade que liga o próprio Filho com o Pai. Ademais, Jesus acrescenta uma palavra breve, porém decisiva: a palavra ―em nós. Os discípulos jamais possuem essa unidade em si mesmos, em sua própria força de comunhão ou em seus laços de afeto pessoais. Somente ―em nós, como vides na videira, eles também possuirão a unidade uns com os outros. Desse modo, porém, eles também a possuem de fato.
Essa unidade não é importante apenas para os discípulos em si, mas possui um significado crucial para seu serviço. Ela se torna testemunho eficaz: ―para que o mundo creia que tu me enviaste. Quanta responsabilidade repousa, portanto, sobre a igreja de Jesus! O mundo anseia consciente e inconscientemente por unidade genuína, por comunhão real. Quando ele constata nos discípulos de Jesus que a unidade e a comunhão livre e plena estão sendo vividas com amor abnegado, a fé de que o Criador desse tipo de irmandade de fato é enviado por Deus pode irromper livremente no mundo. Inversamente, porém, toda a desunião dos discípulos dificulta a fé em Jesus. O envio de Jesus parece ser refutado quando a mesma desunião e o mesmo desamor que o mundo conhece de sobra predominam em Sua igreja.
―Para que o mundo creia…, será que isso não contradiz o que foi dito em Jo 14.17,22; 15.18s; 17.9 a respeito da perdição incorrigível do mundo? Afinal, não é justamente nisso que o ―mundo jamais poderá ―crer? No entanto, a palavra ―o mundo não possui sentido estatístico, da mesma forma como a palavra ―todos na promessa de Jesus de que atrairia a ―todos para junto de si após a sua exaltação(cf. Jo 12.32). O que Jesus afirmou acerca do ―mundo permanece válido. Contudo, pessoas que são ―mundo chegam a crer em Jesus e desse modo pertencem aos que Jesus ―escolheu para fora do mundo. E isso realmente acontece ―em todo o mundo, de forma que a partir daí pode-se dizer, de forma sucinta, ―para que o mundo creia…
22 Para Jesus, a unidade dos seus é algo tão premente que ele não consegue desprender sua oração dela. Naturalmente não nos será fácil acompanhar agora de fato a Sua oração. Nesse momento, essa oração está unindo o que nos parece ser extremamente divergente. ―Eu mesmo lhes tenho transmitido a glória que me tens dado. A ―glória não é uma palavra do futuro distante? Não é justamente por isso que o Filho a pede como dádiva da perfeição vindoura dos seus, para que ―vejam a sua glória (v. 24)? E agora Jesus diz isso no pretérito perfeito: ele já concedeu essa glória aos discípulos. Porventura o futuro já é presente, para não obstante imediatamente continuar sendo futuro? É exatamente isto! E precisamente o Filho de Deus em oração é capaz de vê-lo desse modo. É verdade, ele lhes proferiu a palavra do Pai, ele os deixou ver o Pai nele mesmo. Ele os atraiu consigo para dentro do amor que liga Pai e Filho, Filho e Pai. Tudo isso é sua ―glória. De fato não a guardou para si, porém a ―transmitiu aos discípulos, ainda que neste momento nem sequer captem essa dádiva, e que a espelharão somente no decorrer de sua vida de discípulos com o rosto descoberto.
23 É precisamente essa glória concedida aos discípulos que gera a sua unidade: ―para que sejam um, como nós o somos: Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade. A unidade não é um alvo ideal que os discípulos precisam alcançar com esforços próprios. Não lhes cabe primeiro ―criar a unidade. Pelo fato de que o Único está ―neles como seu Senhor e Redentor, a união nele já lhes foi presenteada. E pelo fato de que, por sua vez, o Pai está ―em Jesus, concretiza-se aquela ―unidade perfeita que une Deus e seres humanos em Jesus e viabiliza o alvo de toda a história: ―que Deus seja tudo em todos (1Co 15.28). Essa unidade com Deus, essa vida a partir de Deus e para Deus é ―a glória que o Pai concedeu ao Filho e que agora Jesus tornou a ―conceder a seus discípulos. Ela foi ―dada, está aí: a qualquer momento pode-se viver a partir dessa unidade perfeita. E ao mesmo tempo não deixa de ser o alvo da intercessão de Jesus, que se empenha pela unidade dos seus.
Também nesse instante o olhar do ―Redentor do mundo passa da condição dos próprios discípulos para o alvo de seu envio: ―para que o mundo reconheça que tu me enviaste. Contudo, essa unidade dos discípulos, que não é meramente unidade entre os humanos, mas união em Deus, não demonstra apenas o envio autorizado de Jesus, mas igualmente o amor do Pai aos discípulos. Jesus suplica pela unidade de seus discípulos também ―para que o mundo reconheça que os amaste (os discípulos), como também amaste a mim. Unicamente pessoas amadas por Deus são libertas, em razão dessa condição, do medo por si mesmas, e, conseqüentemente, são capazes de também amarem aos outros. Nas chamas do amor de Deus incendeia-se o verdadeiro amor entre os discípulos, o qual os congrega na unidade. E vice-versa: esse amor entre os discípulos torna o amor de Deus perceptível até mesmo aos olhos do mundo.
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