terça-feira, 16 de novembro de 2010

A INTERCESSÃO DE JESUS POR SEUS DISCÍPULOS – João 17.6-19

6 – Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra.
7 – Agora, eles reconhecem que todas as coisas que me tens dado provêm de ti;
– porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste.
9 – É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus;
– ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado.
– Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós.
– Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura.
– Mas, agora, vou para junto de ti e isto falo no mundo para que eles tenham o meu gozo completo em si mesmos.
14 – Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou.
– Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal.
16 – Eles não são do mundo, como também eu não sou.
– Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.
– Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.
– E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade.
Para si próprio Jesus pediu ao Pai que o glorificasse. Agora sua oração se volta para os discípulos e se torna uma intercessão por eles.
6/8 O que caracteriza seus discípulos? Por que Jesus consegue orar com convicção por eles? Por natureza são pessoas como todas as demais e fazem parte do ―mundo. Mas agora aconteceu algo com eles que os transforma completamente. São ―pessoas que me deste para fora do mundo. O Filho não é capaz de fazer nada por si próprio, nem mesmo transformar pessoas em discípulos. Somente pode acolher aqueles que o próprio Deus lhe dá. Sua ―escolha dos discípulos (Jo 15.16) está alicerçada sobre uma escolha de Deus. Por isso Jesus enfatiza: ―Pertencem a ti, e tu mos confiaste. No v. 9 ouviremos mais a esse respeito. Prevalece o que Jesus já afirmou com muita seriedade em Jo 6.37,44,65: somente os que o Pai lhe dá e por isso atrai para junto dele, vêm até ele. Porém agora Jesus pôde agir nessas pessoas que o Pai lhe encaminhou. ―Manifestei teu nome às pessoas. Para nós é penoso compreender corretamente todo o conteúdo, e também toda a alegria dessa declaração de Jesus. Será que há tanta importância no ―nome de Deus? Porventura um ―nome não é uma questão bastante exterior? Pode ser assim. Porém, também nós conhecemos essa situação, de que a um ―nome se associa todo o ser daquele que é portador desse nome. Quando dizemos ―Abraão ou ―Moisés ou ―Paulo, surge inicialmente toda uma realidade de vida. Conseqüentemente, também poderíamos traduzir a palavra da oração de Jesus por ―Eu lhes revelei a tua essência. O ―nome formula a essência. Em vista disso, o ―nome possibilita que tratemos ao outro como aquele que ele é. Conheço o outro e estou ligado a ele quando sei o seu ―nome.
Tudo isso vale de modo especial para Deus e para o nosso conhecimento de seu nome. O ―nome de Deus não está sob o controle de uma pessoa. A essência e a verdade de Deus estão ocultas para nós. Por isso, para Moisés não foi suficiente que Deus se apresentasse na sarça incandescente como ―o Deus dos pais, dando-lhe a incumbência de libertar o povo. Pelo seu bem e pelo bem do povo ele precisava saber o ―nome de Deus, a fim de poder confiar realmente Nele e invocá-lo corretamente. Naquele tempo Israel foi presenteado com o nome de ―Javé (―Jeová; Êx 3.13-15). Agora, porém, esse nome, que não tem mais importância no NT, não está mais em questão. Agora esse ―nome manifesto é o nome de Deus como Pai. Ele se tornou acessível aos discípulos na palavra que Jesus podia transmitir-lhes como a palavra do próprio Deus. A revelação do ―nome caracteriza a revelação como revelação da palavra. O Pai se manifesta no Filho não em experiências místicas inexprimíveis, mas na ―palavra inequívoca.
Em razão disso Jesus pode constata imediatamente o fruto de sua revelação: ―E eles têm guardado a tua palavra. Isto os capacitou a reconhecer por eles mesmos o aspecto crucial da revelação de Deus por meio de Jesus. ―Agora eles reconheceram que todas as coisas que me tens dado provêm de ti. Para Jesus, essa afirmação é tão grandiosa no diálogo com o Pai que ele a repete outra vez, com maior clareza. ―Porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e chegaram a crer que tu me enviaste. Justamente porque Deus ―deu as palavras a Jesus elas não são meras ―palavras, e sim ―rhemata, palavras eficazes e plenas de realidade. As pessoas que as ―aceitaram, chegaram a ―conhecer e a ―crer por meio delas. Captaram o envio de Jesus, motivo pelo qual conseguiram ver o próprio Pai naquele que ―saiu do Pai, e desse modo conhecer e dizer o seu ―nome. Não apenas ouviram uma pessoa que, como muitos antes e depois dele, tinha seus pensamentos sobre Deus e ensinava esses seus pensamentos. Não, ―agora eles reconheceram que todas as coisas que me tens dado provêm de ti. Jesus é o Revelador, que traz a realidade própria a Deus até as pessoas.
Entretanto, ao ouvirmos essas palavras de oração de Jesus cabe-nos superar ainda outra dificuldade. Com alegria, Jesus diz ao Pai o que realizou pela manifestação do Seu nome. Porém, será de fato assim? Será que seus discípulos realmente ―guardaram a sua palavra, a ―receberam e ―reconheceram e ―chegaram a crer? Não vemos até o final dos discursos de despedida (Jo 16.29-31) que Jesus não consegue considerar sua suposta fé como fé verdadeira? E a hora seguinte não há de mostrar que os discípulos de fato ainda não ―reconheceram e creram? É preciso que retornemos ao que explicitamos em relação a Jo 6.67-69. A atuação reveladora de Jesus não foi em vão. Crer e reconhecer na Páscoa e em Pentecostes somente foi possível porque já estavam fundamentados e haviam começado a germinar em todo o convívio de Jesus com os apóstolos. Diante de seu Pai, Jesus agora vê essa semente já desenvolvida, e olha para o futuro, como o fará expressamente no v. 20. Diante do Pai ele pode falar desse futuro como um acontecimento do passado. E aqui todos nós, que recebemos essas suas palavras por meio dos discípulos e igualmente chegamos a esse ―conhecimento verdadeiro e a essa ―fé bem definida, já estamos incluídos.
9/10 A oração de Jesus vale para pessoas nessa situação. Não pode valer para o mundo enquanto ―mundo. Jesus não pode orar por um mundo formado por uma multiformidade indefinida de pessoas. O Filho está vinculado ao Pai. ―É por eles que eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. Não foi ele que, com a magnitude de seu intelecto e sua arrebatadora força de persuasão, conquistou as pessoas pelas quais intercede nessa oração. O fato de que pessoas chegaram a Jesus e até esse momento permaneceram junto dele reside exclusivamente na dádiva de Deus. Esse ―dar acontece com liberdade divina. Deus dispõe das pessoas, elas ―são dele porque Ele é seu Criador. Mas precisamente nesse momento, numa oração dessas, Jesus precisa articular mais uma vez toda a unidade que o liga ao Pai de maneira bem real. ―Ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas. Aqui, ―vontade própria não é possível nem necessária. O Pai concede ao Filho com amor pleno. Mas o Filho não segura nada para si, porém alegremente coloca à disposição do Pai o que foi adquirido por meio de sua atuação. ―Todas as minhas coisas são tuas: essa não é o discurso de uma submissão forçada, e sim, do mais livre amor. ―As tuas coisas são minhas: essa não é uma afirmação reivindicatória. Quem fala é a gratidão que aceita a dádiva do amor que presenteia. Por isso, somente no relacionamento entre ―Pai e ―Filho reconhecemos o que é o amor verdadeiro e integral.
Precisamente desse modo as pessoas que o Pai concedeu a Jesus servem à glorificação deste. ―E sou glorificado neles. Essa glorificação de Jesus não se alicerça sobre a competência e grandiosidade dos discípulos. Não há nada para admirar nos discípulos como tais. Contudo, Jesus comprou ao preço da sua vida justamente pessoas tão imprestáveis, pervertidas e perdidas, introduzindo-as numa nova vida de fé e oração, amor e esperança. Ele é ―glorificado neles por meio desse seu poder misericordioso de Salvador.
11 Por que Jesus precisa interceder por eles? ―Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Jesus agora pode sair de todas as aflições, lutas e tribulações do mundo e ir para a glória junto do Pai. Os discípulos, porém, ainda não podem acompanhá-lo. Eles ―estão no mundo. Jesus sabe o que isso significa. O mundo é como um largo e forte rio cuja correnteza arrasta tudo incessantemente, cada vez mais para longe de Deus. Procedem também do mundo os intensos golpes com que o senhor do mundo tenta arrancar os fiéis de Deus. ―Estar no mundo significa ter de viver constantemente no seu ódio . Será que os discípulos não sucumbirão? Não fraquejarão (1Ts 3.3), deixando-se arrastar imperceptivelmente para longe de Deus? Nessa situação irrompe a prece de Jesus: ―Pai santo, guarda-o [ou: os] em teu nome, que me deste. Em vista de todo o poder do mundo e de seu príncipe, Jesus se conscientiza da santa magnitude e do poder de Deus. O Pai é o ―Santo que certamente é capaz de proteger os discípulos por meio de seu poder e sua glória divinos e superiores ao mundo. Como ―Pai santo, Ele também o fará por sua fidelidade, uma vez que deu essas pessoas ao Filho. Jesus roga que o Pai as ―guarde em seu nome. Não se trata de proteger contra aflição e sofrimentos. Tampouco de preservar seu bem-estar terreno ou sua vida passageira. Contudo, em todas as situações devem permanecer naquilo que o ―nome de Deus lhes revelou a respeito da essência, da verdade, do poder e da graça de Deus. Jesus suplica que seus discípulos preservem o ―nome de Deus também no fracasso, em derrotas, medo e tribulação, dessa maneira permanecendo apegados a Deus, porque Deus os segura.
Se a forma, inicialmente estranha para nós, estiver correta, então Jesus acrescentou ―que me deste a ―nome de Deus (no qual os discípulos devem ser guardados). Nesse caso, o presente texto também enfatiza que esse ―nome de Deus existe para nós unicamente porque Jesus no-lo manifestou. Ao fazê-lo, Jesus apenas passou adiante o que o Pai lhe dera. O Filho é o primeiro a quem Deus revelou sua natureza mais íntima e seu nome de Pai. Não se trata da expressão ―Pai como tal. Ela já fora usada no AT. Contudo, é significativo que ele use essa expressão apenas esparsa e predominantemente em palavras que apontam para o futuro. Aquilo que a verdadeira ―natureza de Deus como Pai encerra ficou manifesto no ―Filho. Por isso, tampouco podemos aprender o nome de Deus como Pai a partir das palavras de Jesus de forma apenas teórica, mas Jesus tem de no-lo ―revelar com todo o seu ser (v. 6), e o próprio Pai precisa nos ―guardar nesse seu nome.
Jesus acrescenta mais um aspecto à prece: ―Para que sejam um, assim como nós. Ao orar, Jesus contempla vivamente o que nós esquecemos em grande medida. Não se trata de discípulos isolados, solitários, que precisam ser guardados individualmente. Trata-se da irmandade dos seus, que se encontra sob o seu mandamento do amor (Jo 13.34; 15.12,17). No nome do Pai eles somente serão preservados se a sua unidade for mantida. ―Ser um, como nós vê essa unidade de forma bem íntima e livre, e justamente por isso firme e plena. Os v. 22s apresentarão esse fato mais uma vez.
12 Jesus olha outra vez para a transformação profunda na situação dos seus. ―Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, o qual (ou: os quais) me deste, e protegi[-os], e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. De forma alguma os Doze permaneceram naturalmente junto de Jesus durante esses anos. Em Jo 6.60-69 João nos mostrou como essa permanência estava ameaçada pelo ―duro discurso de Jesus e pelo insucesso cada vez mais patente à medida que todas as esperanças terrenas eram desfeitas por parte de Jesus. Jesus teve de ―guardar e ―proteger muito para que os Onze agora ainda estivessem ao seu redor.
Esse ―guardar não é algo que tem êxito por si mesmo. O Deus onipotente respeita a liberdade das pessoas. Isso fica claro no fato de que apesar de tudo um dos Doze se ―perdeu. Jesus não consegue orar pelos seus sem se lembrar desse um. Nem mesmo agora o mistério é solucionado por meio de uma fórmula que permitiria calcular a relação entre a atuação divina e a liberdade humana. Jesus tão somente aponta para dois fatos nesse terrível acontecimento com Judas. Judas era um ―filho da perdição. Da maneira como ―filhos da luz se deixam determinar pela luz (cf. Jo 12.36), assim Judas se deixou conduzir e moldar interiormente pelo destruidor e pela perdição. Foi por causa da liberdade pessoal e simultaneamente da necessidade interior (não exterior!) que o ―filho da perdição finalmente ―se perdeu. Por isso a sentença ―para que se cumprisse a Escritura jamais poderá significar que Judas foi forçado a fazer algo contra a sua vontade, apenas para o cumprimento formal da Escritura, tornando-se o destruidor de Jesus. A Escritura nunca se cumpre dessa forma mecânica! Essa palavra de Jesus não pode ser entendida diferentemente de Jo 13.18. Mesmo o fato mais incompreensível e terrível é abarcado pelo conhecimento e pela regência de Deus, e por isso já fora previsto na Escritura.
13 Existe a possibilidade da queda, que não pode ser evitada automaticamente por nenhum ―guardar. A trajetória dos discípulos pelo mundo é difícil e cheia de provações. Ela não se tornará, então, uma vida de constante medo e preocupação que os discípulos de Jesus precisam viver, até mesmo quando o último refúgio é a fidelidade de Deus? Jesus o vê de maneira diferente. ―Mas, agora, vou para junto de ti e isso falo no mundo para que eles tenham minha alegria perfeita em si mesmos. Novamente Jesus não diz: ―Mas agora tenho de morrer, mas ele vê em seu caminho a ida até o Pai. No entanto, sua despedida não é apressada, despreocupada a respeito dos que são deixados para trás. Não, ―Jesus fala isso no mundo, estando plenamente no mundo e em seu domínio. Os discípulos podem ver no seu exemplo que ―estar no mundo não apaga a alegria de seu Senhor. Assim como ele lhes ―deixou a sua paz (Jo 14.27), assim ele lhes está legando também a ―sua alegria, como algo que podem levar consigo. Considerando que a instrução apostólica leva a alegria muito a sério e a transforma numa característica essencial da filiação divina e da atuação do Espírito Santo, os apóstolos a aprenderam e receberam do próprio Jesus. Não apenas com esforço e apesar das circunstâncias: um clarão de alegria deve cobrir os discípulos. É de forma ―perfeita que eles devem ―ter sua alegria em si mesmos. Jesus não está falando da alegria natural dos discípulos. A ―nossa alegria desfalece rapidamente. Jesus se refere à alegria ―dele, que não se desfaz nem mesmo agora diante de toda a gravidade da trajetória da cruz. Os discípulos ―terão perfeita em si mesmos essa ―alegria dele.
14/15 Mais uma vez Jesus apresenta a situação dos discípulos ao Pai. ―Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo lançou seu ódio sobre eles, porque não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Quando a palavra de Deus é concedida e de fato recebida e acolhida, surgem pessoas que já não ―são do mundo, mas pertencem essencialmente a Deus. Nisso são semelhantes ao Filho, que declara a respeito de si: ―como também eu não sou do mundo. A marca inevitável e inextinguível desse fato é o ―ódio que ―o mundo lançou sobre eles. Essa é a realidade dos discípulos, simplesmente porque até esse ponto são discípulos de Jesus. Contudo, agora se torna decisivo que tipo de conseqüências Jesus reconhece na situação dos seus e que pedido ele dirige ao Pai a partir disso. ―Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal. O fato de que Jesus precisa dizer exatamente o que não pede revela o quanto essa súplica estava à flor da pele. Será que os discípulos não poderiam ser poupados da aflição, que não é brincadeira, antes traz dentro de si a tentação para renegar a Jesus? Para isso eles teriam de ser tirados do mundo, no qual justamente precisam entrar, para que a mensagem salvadora chegue às pessoas. O Filho, que empenha sua alma pessoalmente em seu envio, de forma alguma pode solicitar ao Pai ―que os (tire) do mundo. Contudo pode e precisa suplicar ao Pai ―que os (guarde) do mal. No texto grego não se pode distinguir se Jesus tem em mente ―o mal, ―o maligno, ou ―o mau, porém Jesus não emprega a palavra que Paulo usa em Rm 12.21 para ―o mal. Em contrapartida, ―ponerós = ―mau é usado por Jesus na sétima prece do Pai Nosso e por Paulo em 2Ts 3.3, com nítida referência ao ―mau, ao diabo. João usa esse termo com plena clareza nessa acepção em 1Jo 2.13. Conseqüentemente, nessa súplica ao Pai Jesus também deve estar vendo ―o mau como ―dominador por trás do ―mundo com seu ―ódio, cujo alvo é que os discípulos neguem a fé sob a pressão da perseguição e do sofrimento. Diante ―do mau, e por isso da queda, o Pai poderá ―guardar os discípulos.
16/17 No entanto, não se trata apenas da ―proteção do mal. A vida dos discípulos também precisa ser desenvolvida em termos positivos. Essa configuração e realização positiva da vida significam ―santificação. O fundamento dela foi lançado na nova existência que separa os discípulos do ―mundo. ―Eles não são do mundo, como também eu não sou. Sobre esse fundamento é possível rogar, e agora Jesus solicita: ―Santifica-os na verdade. Ele não espera de seus discípulos que eles mesmos se santifiquem por não serem do mundo. Rogou ao Pai pela santificação deles, da qual precisam tanto para sua própria vida quanto para seu serviço no mundo. A santificação é obra de Deus, porque ele é o ―Pai santo. A palavra ―santo faz parte daqueles termos básicos, que não conseguimos explicar com outras palavras, mas apenas captar diretamente a partir de si mesmos por nossa experiência pessoal interior. Não poderemos de forma alguma explicar o que é ―santo a uma pessoa que nunca se deparou com o ―Santo. Toda pessoa, porém, que se confrontou com Deus, possui no mínimo uma noção do motivo por quê os serafins, em incansável adoração, chamam Deus de ―três vezes santo (Is 6.3). Quando, pois, os discípulos de Jesus devem ser ―santificados na verdade, visa-se seriamente que eles não apenas sejam ―boas pessoas, mas que se revistam da santidade e do brilho de Deus. É por isso que eles não são capazes de realmente ―santificar-se pessoalmente. Unicamente o Pai santo pode realizar a ―santidade neles. Por isso Jesus pede isso Dele.
A santificação dos discípulos acontece, pois, ―na verdade. Como em todas as ocorrências no presente evangelho, verdade é a realidade essencial divina. Os discípulos devem possuir não apenas um certo brilho e aspecto de ―santidade, mas a santificação deve penetrar genuína e profundamente em sua vida e em seu ser. Quando Jesus acrescenta: ―Tua palavra é a verdade, ele não diz somente que a palavra de Deus não nos engana e que é correta e confiável mesmo na forma da palavra escrita. Jesus diz mais. A palavra, proferida vivamente por Deus, não é apenas ―palavra, mas carrega em si a natureza divina e a energia divina. Por isso o ser humano pode ―viver dessa palavra. E por essa razão a santificação dos discípulos na verdade também acontece por meio da ―palavra. A ―palavra como ―verdade também torna nosso ser e nossa vida ―verdadeiros, essenciais, direcionados para a realidade de Deus e, por isso, santos.
18 Agora os discípulos estão capacitados para serem enviados ao mundo. Um mensageiro que possui apenas ―palavras, sem que sua natureza seja também testemunha, não ajuda em nada. O envio dos discípulos corresponde também ao nosso envio pelo próprio Jesus. O mundo somente poderia obter ajuda através daquele que era Filho de Deus por essência e por isso realmente o pão, a água, a porta, o caminho, a vida e a ressurreição para pessoas famintas, sedentas, inquietas e moribundas. ―Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. O ―como no início da palavra de Jesus deve ser levado muito a sério e tem aqui uma conotação causal. O envio dos discípulos corresponde ao envio de Jesus e tem seu fundamento no mesmo Na prática, dá prosseguimento a ele e leva o amor redentor do Pai no Filho para dentro do mundo.
19 Jesus os capacita para esse envio por meio da santificação que prepara para eles. Filho e Pai agem novamente com espírito unânime. O Filho pediu ao Pai a santificação dos discípulos na verdade. Mas o Filho não é espectador passivo no cumprimento de seu pedido. ―E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade. O ―e no início da frase revela a relação da santificação com o envio. ―E justamente por eles, os quais enviei, por eles, porque eu os enviei, eu me santifico a mim mesmo. Seus discípulos não podem santificar-se pessoalmente. Jesus é capaz de fazê-lo, e ele o faz justamente agora em seu caminho de sofrimento. Ao honrar o Pai de forma tão integral, ao amá-lo tão cabalmente e entregar toda a sua existência e obra da vida inteira a Deus, ele se torna o Filho santo do Pai santo. Perante o mundo, o mundo devoto de Israel, Jesus aparece como blasfemo, banido e maldito. Na verdade, porém, justamente agora na cruz torna-se realidade perfeita o que Pedro reconheceu e declarou na hora decisiva: ―Tu és o Santo de Deus (Jo 6.69). Jesus conta com a circunstância de que, como Crucificado, também envolve os seus nessa ―santificação, ―para que eles também sejam santificados na verdade.
Santificados na verdade, pertencer a Deus ―na verdade e viver para Deus: esse era o objetivo final de Jesus. Sua luta, que lhe rendeu a cruz, dirigia-se contra a ―hipocrisia que destruiu Israel. Um ―culto a Deus que se transformara em ―negócio, uma ―casa de Deus que se tornara ―casa de comércio (Jo 2.14-16), devotos líderes que, não obstante, sãoincapazes de crer porque são ávidos de honra (Jo 5.44), discípulos de Moisés que são denunciados pelo próprio (Jo 4.45), filhos de Abraão que se tornaram filhos do diabo (Jo 8.37-44) – incansavelmente, Jesus desvendava essa terrível deturpação e falsificação por meio de sua palavra e de seu ser. Agora tudo depende de que seus discípulos e emissários não sejam reféns da mesma falsidade, mas que ―sejam santificadas na verdade.

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